Direito de Família na Mídia
Realidade da adoção é contraditória no DF
14/05/2007 Fonte: Correio WebA realidade da adoção mostra um cenário contraditório no Distrito Federal. Enquanto 300 futuros pais e mães estão na fila à espera de um filho, 274 crianças aguardam por uma nova família. No entanto, apesar de próximos - a proporção é de quase um para um -, esses números não se cruzam e mostram uma realidade na qual meninos e meninas continuam sem ter para onde ir e casais decidem protelar a concretização do sonho de ter uma família completa. A explicação para isso é cruel, mas já bem conhecida: "os pais não querem o perfil de crianças disponíveis para adoção".
A frase acima é do supervisor de adoção da Vara da Infância e da Juventude do DF, Walter de Souza, e não espanta assistentes sociais, psicólogos e educadores que trabalham na área. O fato é que, quando decidem adotar uma criança, 99% dos casais, ou mesmo pais solteiros, exigem as mesmas características. "Eles querem principalmente bebês, de cor parda ou branca. Mas acontece também de essas exigências virarem um capricho", explica o supervisor.
O professor do departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), Vicente Faleiros, explica que as exigências são parecidas: bebês saudáveis, com olhos azuis, cor clara e cabelos lisos. "O problema é que as crianças disponíveis para adoção não têm esse perfil. E não têm por uma razão muito simples: o brasileiro, em geral, não é assim", afirma. Já Souza tem uma visão ainda mais triste desse cenário. "A impressão que eu tenho, às vezes, é que eles confundem o abrigo com um mostruário de crianças", lamenta.
Para o supervisor de adoção da Vara da Infância e da Juventude, os "caprichos" das famílias culminam com a demora no processo de adoção. A espera para casais que querem um recém-nascido dura de três a quatro anos. Para se ter uma idéia, hoje, em todo o DF, há apenas um bebê disponível para adoção. Já para quem não se importa em ter como filho uma criança de mais de 7 anos, a espera cai para um ano, no máximo. "É claro que esse tempo é variável, depende do processo, da disponibilidade dos pais e de outras variáveis", explica Souza.
Na hora de definir uma criança para adoção, a Vara da Infância e da Juventude realiza um minucioso processo que inclui visitas nas casas do adotante. Souza, no entanto, conta que o mais importante neste momento é a disposição dos futuros pais. "Nós temos que sentir que existe uma profunda vontade de ser mãe. Uma vontade e amor tão incondicional que pode superar o preconceito, o amor de mãe", diz.
É o caso da secretária Marta*, que está na fila de adoção há três meses. Ela conta que sua motivação vem do sonho de ser mãe, já que passou dois anos tentando engravidar, sem sucesso. No lugar de procurar um tratamento, a secetretária optou pela adoção. "Eu adquiri a consciência de que ser mãe não é apenas gerar. Por isso, procurei este caminho", conta. A estrada que Marta terá que percorrer, contudo, ainda será longa. Como 99% dos pais que procuram a Vara da Infância e da Juventude, a professora quer um bebê de cor branca ou parda. "Quero um recém-nascido, mas não é por preconceito e, sim, porque quero que ele me tenha como mãe desde sempre, me veja sempre como mãe", conta.
Com relação à exigência de cor, ela dá uma explicação, que, segundo o supervisora da Vara da Infância, é determinante para os pais que querem uma criança branca ou parda. "Eu não vou mentir. Procuro uma criança com características semelhantes à minha. Se eu tiver um filho negro, as pessoas vão discriminá-lo. Na escola, na rua, vão sempre perguntar", justifica.
Medos
O professor do departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), Vicente Faleiros, conta que até os potenciais adotantes temem que a convivência com a criança seja difícil. Por isso, a família passa por um longo acompanhamento social. Psicólogos e assistentes sociais estão sempre à disposição da família para qualquer tipo de auxílio. "Os temores existem, mas o pai e a mãe têm que agir como se um filho estivesse nascendo. Neste contexto, deve ter a consciência de que toda criança, adotada ou não, tem defeitos e qualidades", explica Faleiros.
Souza explica, que para esclarecer os futuros pais, a Vara da Infância e da Juventude realiza um intenso trabalho de conscientização com as famílias. "Tentamos esclarecê-los sobre os medos e preconceitos que permeiam este processo. Fazemos reuniões, entrevistas, conversamos. Nós mostramos para eles que a criança tem que ser acolhida com amor. Eles conseguem entender isso e assumem uma postura responsável diante da escolha que fizeram", explica.
Além de temer o comportamento dos filhos, os adotantes também têm dúvidas sobre como e quando contar para os filhos que são adotados. "No caso de crianças com mais de 4 anos de idade não há esse conflito, porque elas sabem que são adotadas. Então, neste caso, é importante explicar que são filhos do coração", explica. Já no caso de bebês, Faleiros sugere que o assunto seja introduzido aos poucos no cotidiano da criança. "Uma boa dica é contar historinhas onde a criança é o sujeito da ação. Neste caso, elas vão tomando conhecimento da história em que estão inseridos", explica.
Independente das dificuldades que os pais possam ter após a adoção, os especialistas são unânimes em afirmar que o processo é irrevogável. "É preciso lembrar que a adoção é irrevogável. Justamente por isso, temos todo o cuidado possível e há os contatos anteriores à adoção definitiva", explica Souza. Faleiros é ainda mais enfático ao falar do assunto. "Este período de adaptação é realmente muito importante para que não haja dúvidas. A adoção é irrevogável simplesmente porque a criança não é um brinquedo onde se pega e depois desiste", explica Faleiros.
Outro Caminho
Como a espera para adotar um bebê no Distrito Federal dura até quatro anos, alguns pais desistem de esperar e procuram crianças em outros estados. "Outros, às vezes, nem queriam adotar, mas vivem situações que os levam a criar a criança mesmo antes de ter a guarda definitiva", explica Souza. Foi o que aconteceu com a dona de casa Heliane*, 46.
Há sete anos, durante a visita a uma antiga amiga, Heliane presenciou a mulher maltratando um bebê de 8 meses. "Ela (a amiga da dona de casa) pegou a criança para criar, mas maltratava a menina, dava comida imprópria e batia na menina. Quando vi aquilo, fiquei indignada, pensei que poderia fazer algo", relembra. Na mesma semana, Heliane conseguiu convencer a amiga a levar a menina para sua casa.
Depois de quatro anos, Heliane procurou a Vara da Infância e da Juventude e deu entrada nos papéis para a adoção legítima. "Antes, eu tinha medo de procurar a justiça e eles a tomarem de mim. Mas, na medida que fui me informando, percebi que eles não iam fazer isso. Vi que existia um laço afetivo que juiz nenhum teria coragem de romper", conta. Depois de um longo processo, Heliane finalmente conseguiu a guarda. "Fiquei mais aliviada. Ela era minha filha de qualquer modo, mas agora é para sempre. Como dizem, é irrevogável", finaliza.